Entrevista da professora e acadêmica de Direito Maria de Lourdes da Silva sobre 20 de novembro, dia nacional da Consciência Negra. Para ilustrar a entrevista, achei por bem colocar as fortes imagens do artista mexicanos David Alfaro Siqueiros, polêmico, subversor da ordem, pungente, que falam por si só sobre questões étnico-raciais e democracia e que tanto se parece com o sentido da fala da entrevistada
Diacui Pataxó - Professora Maria de Lourdes, estamos lhe entrevistando porque seu trabalho contra racismo e preconceito é reconhecido pela comunidade e principalmente por aqueles que foram seus alunos ao longo dos seus 25 anos de Magistério.
Maria de Lourdes - é verdade, sempre combatemos preconceitos com projetos, eventos e oficinas nas escolas, envolvendo colegas, estudantes e comunidade.
DP - O que a motivou sempre a estar à frente nestas atividades?
MLS como dizia a minha professora de metafísica, a poetisa Valdelice Pinheiro, a INDIGNAÇÃO, só podemos nos sentir vivos se ainda nos indignamos.
Sinto-me incomodada desde a adolescência, quando percebia muitas amigas de pele mais escura serem maltratadas, depois cresci vendo Klu-Klux-Klan, Apartheid, Nelson Mandela preso, li seu livro, assisti Steve Biko - um grito de Liberdade, Sarafina, Zumbi, li a história da escravidão no Brasil, olhei ao meu redor e vi racistas... Não pude me calar mais...
DP O que a senhora pensa a respeito das cotas raciais?
MLS - eu concordo plenamente com cotas raciais, acho que é o mínimo de indenização que o governo pode dar aos negros pelos trezentos e cinquenta anos de escravidão, com a bunda exposta na rua, amarrados no pelourinho, tomando chicotadas em público, herança maldita escrita no DNA de todos nós. Trezentos e cinquenta anos sem casa pra morar, sem chão seu pra lavrar, sem poder aprender a ler, sem ser dono do próprio corpo, geração após geração de meninas e mulheres estupradas por senhores, abusadas sexualmente, vilipendiadas na alma e no que pode haver de mais digno e decente no ser humano, o amor-próprio, a auto-estima! Crianças obrigadas a trabalhar, vidas inteiras comendo restos de migalhas das mesas ou as vísceras rejeitadas dos animais...cotas raciais não são nada diante da história, da diáspora compulsória, da escravidão secular.
DP - Haveriam outras alternativas?
MLS - Claro que sim! Na verdade, se nestes últimos cem anos a escola pública foi frequentada por negros e pobres, por que a cota-racial na Universidade pública é para negros? a cota racial deveria ser para os brancos. Eles estudaram fora da rede pública, nas melhores escolas particulares, nos melhores pré-vestibulares, por que são eles os donos das vagas nas escolas públicas e nós, os negros, o povo, os cotistas? Para sermos discriminados mais uma vez? Para sermos chamados de incompetentes? que não conseguimos passar no vestibular e por isso precisamos de cotas? Os brancos são minoria em nosso país. As cotas devem proteger minorias. As vagas são dos negros que obrigatoriamente alisam os bancos das escolas estaduais e municipais toda a sua vida, mas na hora H, da profissionalização de nível superior...!!!
DP - Essa idéia é bastante polêmica!
MLS - O Brasil precisa de polêmicas. Tudo no Brasil termina em pizza e cerveja, na beira da praia, numa mesa de bar, numa roda de piadas. Não se discute com clamor, não se fala sério, as pessoas não se indignam, não reclamam, não propõem o inusitado! Essa idéia é a descontrução do pensamento considerado dos mais avançados no Brasil por conta de combater o racismo! Após 30 anos de trabalho, dos quais 25 estive no Magistério, resolvi prestar vestibular para Direito e me inscrevi como cotista! Usei o subterfúgio que a lei me concedeu, mas preferia que tivesse sido de outra maneira. Como acadêmica de Direito, cotista, tenho percebido vários colegas na mesma situação destacando-se como os melhores alunos do curso.
DP Então o Ensino Fundamental precisa de mudanças?
MLS Claro que sim. Não de reformas mas de uma revolução. A qualidade do Ensino público e gratuito no Brasil está em cheque. Urge a transdisciplinaridade, a informatização das escolas... aqui em Ilhéus, na Bahia, os computadores chegam e ficam hum ano fechados dentro das salas das diretoras, porque a ordem é que só técnicos da Secretaria de Educação podem vir abrir e eles levam esse tempo para sair da Prefeitura e chegar na escola. A internet não é instalada e os discentes não tem acesso em casa nem na escola. O Cargo Ministério da Educação e Secretaria de Educação tem que ser ocupados por vontade política e não por técnicos e puxa-sacos políticos.
DP- Bem professora, quais suas palavras finais sobre o dia 20 de novembro, dia Nacional da Consciência Negra?
MLS- Digo que sempre fomos ensinados a nos acharmos feios, fedidos, sujos, preguiçosos, desgrenhados, nossa religião virou coisa do diabo - embora Netuno carregue um tridente impune do julgamento dos brancos - nossas vestes são espalhafatosas, nossa bunda é grande, nossos "beiços" são grossos... Mas somos lindos em nossa negritude e mestiçagem, cheiramos a mato e natureza, sempre fomos os que limpamos - gostaria de citar aqui aqui a música que Gilberto Gil compôs em 1984:
O branco inventou que o negro
Quando não suja na entrada
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Que mentira danada, ê
Na verdade a mão escrava
Passava a vida limpando
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o negro penava, ê
Mesmo depois de abolida a escravidão
Negra é a mão
De quem faz a limpeza
Lavando a roupa encardida, esfregando o chão
Negra é a mão
É a mão da pureza
Negra é a vida consumida ao pé do fogão
Negra é a mão
Nos preparando a mesa
Limpando as manchas do mundo com água e sabão
Negra é a mão
De imaculada nobreza
Na verdade a mão escrava
Passava a vida limpando
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o branco sujava, ê
Imagina só
Eta branco sujão
É isso: Lembremos sempre da nossa dignidade!
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