abril 09, 2010

Breve História da violência contra a Infância

São secretas as matanças da miséria na América Latina; em cada ano explodem, silenciosamente, sem qualquer estrépito, três bombas de Hiroxima sobre estes povos, que têm o costume de sofrer com os dentes cerrados. Esta violência sistemática e real continua aumentando: seus crimes não se difundem na imprensa marrom, mas sim nas estatísticas da FAO. Ball diz que a impunidade é ainda possível, porque os pobres não podem desencadear uma guerra mundial, porém o Império se preocupa: incapaz de multiplicar os pães faz o possível para suprimir os comensais. “Combata a pobreza, mate um mendigo!”, rabiscou um mestre do humor-negro num muro da cidade de La Paz.
Eduardo Galeano

Desde a Antiguidade podemos verificar que as crianças sempre foram desrespeitadas em seus direitos, no sentido do que hoje chamamos de cidadania, seja pelos costumes, pela moral ou pela lei efetivamente positivada. Em Atenas, berço da Filosofia, da Política e da democracia, mulheres, crianças, homens pobres e escravos não eram cidadãos; em Esparta, fazia parte dos costumes lançar uma criança num precipício em sacrifício aos deuses caso ela nascesse franzina ou aleijada. Também em Esparta a criança era tirada do seio da mãe e entregue ao Estado para cumprir seu destino de guerreira desde os sete anos de idade.

Muitos crimes contra a vida de crianças são relatados desde a própria Bíblia, livro sagrado dos cristãos: por ocasião do nascimento de Moisés, quando o faraó, em função de haver mais judeus que egípcios no Egito, manda matar todas as crianças recém-nascidas do sexo masculino “(...) então, ordenou Faraó a todo o seu povo, dizendo: a todos os filhos que nascerem aos hebreus lançareis no Nilo, mas a todas as filhas deixareis viver” Êxodo, 1, 22. Quando mais tarde Moisés veio para libertar o povo Hebreu do Egito, povo esse escravo já há 400 anos, foi o próprio Deus quem matou os primogênitos – que tanto poderiam ser adultos quanto crianças, como o filho do faraó: “aconteceu que à meia-noite, feriu o Senhor todos os primogênitos na Terra do Egito, (...) e fez-se grande clamor no Egito, pois não havia casa em que não houvesse morto.” Êxodo, 12, 29 – 30; quando morreram não só crianças, mas principalmente muitas delas; esta foi a décima praga do Senhor contra o Egito, para demover o Faraó de sua idéia empedernida de manter cativos os Hebreus. Mais tarde, ao chegar à terra prometida, Josué tomou Jericó: “Tudo quanto na cidade havia, destruíram totalmente a fio de espada, tanto homens como mulheres, tanto meninos como velhos, (...)” Josué, 6, 21. Quando nasceu Jesus, o rei Herodes ordenou matança de inocentes, porque temia o Rei dos judeus anunciado pelos Reis Magos, temia pelo seu poder:
vendo-se iludido pelos magos, endureceu-se Herodes grandemente e mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo, conforme o tempo do qual, com precisão se informara dos magos. Mateus, 2, 16-17

Na Idade Média a Igreja Católica mandou trinta mil crianças numa cruzada que deveria tomar Jerusalém. Muitos morreram à míngua, outros tantos foram levados pelos mercadores de escravos, outros foram mortos... Enfim, esses milhares de crianças foram sacrificados por causa da ambição de poder dos adultos. No feudalismo não havia direitos para as crianças e eles trabalhavam junto com seus pais nas glebas; com o advento da Revolução Industrial principalmente na Inglaterra, os novos patrões preferiam empregar mulheres e crianças, para pagar menos... Eles trabalhavam entre 16 e 18 horas por dia, muitas crianças perderam membros nas máquinas de fiar, não havia assistência à saúde, não havia escolas para essas crianças.

No período colonial, entre os séculos XVI e XIX no Brasil, quase 350 anos de escravidão, gerações e gerações de crianças nasceram e morreram na escravidão, foram abusadas sexualmente, sem nenhuma proteção, sem direito sequer a pai e mãe, pois os senhores poderiam vendê-los caso necessitassem; a Lei do Ventre-Livre (28 de setembro de 1871) foi mais um engodo do que uma libertação, pois
“não resultou assim, em última análise, senão numa diversão, uma manobra em grande estilo que bloqueou muito mais que favoreceu a evolução do problema escravista no Brasil”
(PRADO JÚNIOR, 2004, p.179).


Em muitas guerras e guerrilhas do século XX as crianças participaram como no caso da Nicarágua e Oriente Médio. Em Soweto, na África do Sul, durante o Apartheid, foram mortos de uma só vez, em público, mais de uma centena de estudantes que faziam parte de protesto contra a segregação racial e o oficial que dirigia a polícia naquele momento mandou atirar contra os jovens desarmados e fardados. O nazismo ceifou a vida de mais de 6 milhões de judeus e quase 1 milhão de ciganos, dentre eles muitas crianças e adolescentes. Se procurarmos, ainda encontraremos muito mais, não só em livros sagrados, mas na própria história material concreta da humanidade, não só no passado, como também no nosso conturbado mundo pós-moderno, onde grassa a violência e o desrespeito aos direitos humanos. Na atualidade, a China é um país onde há elevado índice de infanticídio feminino. Neste país é prática comum cometer aborto quando o bebê é uma menina, o que gerou um desequilíbrio entre os sexos na população do país.

O tráfico humano é o negócio mais rentável do planeta - e sabemos que este tráfico envolve principalmente crianças e mulheres jovens - junto com o tráfico de armas e de drogas.

No Brasil, durante a Ditadura Militar tivemos o fechamento e incêndio do prédio da UNE e vários estudantes mortos ou desaparecidos naqueles 21 anos de torturas e arbítrios, como também foi suprimido o direito à organização em Grêmios Livres, substituídos na época pelos Centros Cívicos, dirigido por professores ou direção escolares. Passamos por sérias mudanças na educação nesta época, pois foi implantado o ensino profissionalizante, olhando o jovem oriundo das classes populares na estreita perspectiva de mão de obra para o mercado de trabalho, a serviço do capital.


Não bastasse tudo isso, ainda podemos lembrar que, em casos de separação conjugal não aceita pelo homem ocorre muitas vezes, por vingança, eles matarem os filhos. O mau-trato e abuso contra a criança é o terceiro crime mais denunciado no Disque-Denúncia em São Paulo. Em 2005, foram registradas 4.603 ligações sobre algum tipo de abuso. Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente o direito da Criança e do Adolescente ao longo dos anos teve flagrante evolução face à necessidade de promoção, proteção e preservação destes seres que ainda estão em desenvolvimento e, portanto, são incapazes de defender-se por si mesmos.

Mesmo assim, muitos são os crimes praticados contra os direitos da Criança e do Adolescente, e a escola não é exceção para a prática destas arbitrariedades. Mais adiante publicaremos análise sobre o paradoxo entre o legal e o real nas instituições escolares.

Maria de Lourdes da Silva
Acadêmica de Direito

Nenhum comentário:

Postar um comentário