julho 28, 2009

ADEUS A MEU QUERIDO AMIGO, PROFESSOR EUGÊNIO

Foste vítima de um terrível acidente de trânsito! Quando Juscelino Kubitschek vendeu o Brasil pras montadores de automóveis, decerto que não mediu as conseqüências ou, se as mediu, pouca importância deu pra quem ia morrer, afinal os lucros eram grandes... Não olhou sequer para o Velho Mundo, para tomá-lo como exemplo, cortado por ferrovias, de uma nação à outra. Pois é, pagamos caro por tanta tecnologia; primeiro porque morremos dia e noite, noite e dia, aos montes em acidentes nas rodovias, famílias inteiras; segundo porque o automóvel de hoje é o lixo entulhado do planeta amanhã! O capitalismo nos estimula diariamente ao sonho de consumo de possuir um carro e enquanto vamos digladiando e competindo entre nós, outros – próximos e distantes – vão morrendo, vítimas fatais, como você!

E a mídia, hein? A mídia perversa, que se alimenta de sangue e de violência, de sofrimento e de dor, te mostrou sendo arrancado das ferragens, mutilado, quase nu. O discurso do jornalista simulava indignação por morte de inocentes nas estradas por causa da negligência de outros motoristas, mas enquanto falava ele vendia a imagem de um filme do celular de alguém que estava lá, na hora, bem próximo de ti e que conseguiu te filmar já morto. Considero violação de privacidade, violação de cadáver, imoral, desrespeitosa e perniciosa essa atitude do canal de televisão de expor assim pessoas, seus familiares e sua dor, enquanto ao mesmo tempo fazem discurso de solidariedade:
o amor não se vangloria, não se ensoberbece,
5 não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios
interesses,
não se irrita, não suspeita mal;
6 não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade;
7 tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
I Coríntios 13
Mas sua intenção já está desnuda até pelas próprias imagens que veicula.

É verdade, nos encontrávamos muito pouco ultimamente, mas nem por isto esqueci seu sorriso franco, sua boa prosa sobre arte, literatura, política, História... Ah, quantas histórias partilhamos!!! Você deixou saudade, amigão, somos nós os vivos que sofremos com a morte, não quem morre. Quem morre provavelmente nasceu de novo, partiu pra outra, como disse Sócrates: EU SOU A MINHA ALMA, ninguém pode enterrar-me! Aqueles que passaram por tuas mãos de professor comprometido não te esquecerão, continuarás vivo em suas memórias e no exemplo que eles darão aos seus próprios filhos. Vai com Deus, Amigo, alegrias e chuvas de pétalas de rosas te recebam na nova vida. Aqui, o que podemos dizer é que tua passagem foi amorosa, bondosa, solidária, amiga! Tenho muita honra em ter te conhecido.

SAUDADES DE PAULO FREIRE



"É porque eu amo o mundo que luto para que a justiça social venha antes da caridade" Paulo Freire
A escola pública apresenta profundas contradições no cotidiano de suas atividades como um todo, desde as Secretarias de Educação até as cozinhas das escolas, em se tratando de estabelecer comparações entre o discurso e a práxis política. É vergonhosa a quantidade de casos que tenho pra contar nestes poucos 25 anos de Magistério.
Enquanto as secretarias de Educação Municipais e Estaduais divulgam e convidam os melhores educadores da UFBA, da UESC e até da USP para aulas e cursos para seus professores, trazendo-os para fazer belas palestras, oferecendo-lhes passagens de avião, hospedagem, almoço e outras garantias tais que competem a qualquer digníssimo palestrante, por outro lado pagam uma “ninharia” aos professores, não dão suporte material para a eficácia do processo ensino-aprendizagem, descontam aulas dos professores antes de lhes dar a chance de pagá-las, porque as diretoras e diretores querem mostrar serviço, entregando os colegas... mas todos sabem que eles têm os seus grupos a quem protegem, tipo ACM, o falecido oligarca baiano: PARA OS AMIGOS, TUDO, PARA OS INIMIGOS, A LEI e o ranço da prática política deste grupo enfronhou-se nos costumes populares! impõem-lhes diretores indicados dos seus governos, sem oportunizar à comunidade escolar escolher! As escolas públicas não têm jardim, bosque, os pequenos parques infantis são velhos e sujos, não têm bancos nem árvores e não têm bibliotecas... estas, quando existem, são irrisórias... existem escolas com livros e livros novíssimos guardados em armários e armários, não utilizados por ninguém, porque as direções incompetentes e/ou descomprometidas têm medo das crianças levarem os livros para casa!!! - e qual é problema das crianças levarem livros para casa?... existem escolas em que os computadores que chegam do MEC levam quase 1 ano para serem instalados porque a Prefeitura não prioriza inclusão digital para as camadas populares; existem escolas que recebem “kits” de brinquedos e as crianças nunca sequer os viram, empoeirados dentro de armários, porque elas podem quebrá-los!!!...
Ora, essa é uma parte das contradições, um lado delas, mais institucional, o pior de todos, talvez, porque pode ser ele o causador dos grandes males da educação, como professores desestimulados, crianças retidas anos após anos, profissionais despreparados, gestões antidemocráticas... mas tem mais coisa, lamentavelmente tem sim!
Uma das maiores queixas que tenho é a quantidade de crianças que são proibidas de entrar nas escolas no dia a dia porque estão de chinelo! Calçadas numa simples sandália de borracha. Certa feita eu desci no ponto de ônibus, chegando à escola, para dar aula e logo vi uma linda menininha, estilo índia, ( essa região é cheia de caboclos – os Tupinambá estão bem ali em Olivença reivindicando suas terras!), 5ª série, toquinho de gente, farda impecável, toda limpa e asseada, negros cabelos longos penteados, livros à mão (por falta de mochila, decerto), linda bolsinha de chochet amarrada no magro braço, com lápis, caneta e borracha dentro (fazendo as vezes do estojo), e nos pés uma sandália de dedo.
- o que houve, querida, não vai ter aula?
- vai sim, professora.
- E por que você está aqui?
- porque a diretora me mandou pra casa por causa da minha sandália.
- Onde você mora?
- eu moro no Couto!!!
Ora, pra quem não conhece a região, o Couto fica entre 7 e 8 km a sudoeste de Ilhéus, isto é, transporte coletivo insipiente, ônibus de hora em hora, estrada de chão, veículo sujo de poeira e dos restos das feiras dos passageiros da zona rural... ou seja, depois daquela linda garotinha ter cruzado tantos obstáculos para chegar ao colégio – ela pega o ônibus 11:30hs para entrar às 13:30hs na escola, porque depois não tem mais horário que dê pra chegar na escola na hora certa; sim, como estava dizendo: depois daquela linda garotinha ter cruzado todos esses obstáculos para chegar ao colégio, a diretora e o porteiro mandaram-na de volta para casa porque estava calçada numa – como chamamos regionalmente - chinela!
Falei pra ela que voltasse comigo, pois ela ia entrar. Viemos juntas e no caminho, naquele dia parece que a “bruxa” tava solta na escola, encontramos mais 9 (nove) crianças devolvidas para suas casas, de 5ª e 6ª série, entre 10 e 13 anos de idade, porque estavam calçadas numa sandália, ou porque usavam calça estilo jeans e não a calça da farda. "A amorosidade de que falo, o sonho pelo qual brigo e para cuja realizacão me preparo permanentemente, exigem em mim, na minha experiencia social, outra qualidade: a coragem de lutar ao lado da coragem de AMAR!!!"
"Não é, porém, a esperança um cruzar de braços e esperar. Movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero." Paulo Freire.

Ao chegarmos à escola tentei colocar as crianças para dentro, mas o funcionário da portaria me avisou que elas não poderiam entrar. Pedi-lhe então que avisasse a diretora que eu estava ali com 10 alunos e alunas e que só entraria para dar minhas cinco aulas da tarde se as crianças entrassem. Bem, não demorou muito e ela chegou já abrindo o portão, dizendo que não os mandou embora, que eles iam entrar sim, que apenas deixou-os esperar um pouco, que entrassem e assinassem um caderno e depois poderiam ir pra sala e tal e tal e tal.....
1 – Nenhum outro professor viu o que estava acontecendo?
2 – Se eu não os tivesse feito voltar, eles teriam entrado?
3 – Posso mensurar o compromisso da minha colega com a escola pública e sua clientela de classes sociais subalternas a partir da quantidade de alunos que ela pretendeu retornar para casa exigindo uma farda padrão? Que valores a levam a preferir a farda às crianças?
4 – Será que o porteiro precisa de uma qualificação voltada para a área de Relações públicas e Humanas na sua função?
A história em si nos dá elementos para refletir e responder às questões além de fustigar em nós outras perguntas.
"Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade. " Paulo Freire