abril 11, 2010

HARMONIA: o uso ideológico dessa expressão para manipular pessoas

Todo mundo já sabe que, qualquer mentira repetida incessantemente, torna-se uma verdade quase absoluta e irreversível, arrebatando seguidores incautos que carecem de um apurado senso crítico. Por isto, queremos aqui refletir sobre a tão "famigerada" harmonia que alguumas pessoas preconizam. Para tal, desejamos primeiro definir os termos:
Harmonia na mitologia grega, é a deusa da harmonia e da concórdia. Filha de Afrodite e Ares, e esposa de Cadmo, seria originária da Samotrácia, onde ela e Cadmo acabaram sendo transformados em serpentes(1). Aqui já podemos intuir que o mito insinuando a Harmonia transformada em serpente, além de ser filha do deus da guerra com a deusa grega da beleza e do amor. Em música, a harmonia é o campo que estuda as relações de encadeamento dos sons simultâneos (acordes). ...(2) porém a harmonia, na música, não se faz em sons iguais e do mesmo tom, mas da consonância oriunda dos acordes diferenciados.

No Brasil, a Carta Magna de 1824 trouxe a divisão e a harmonia dos poderes políticos como o princípio conservador dos direitos dos cidadãos e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferta. A esses Poderes tradicionais, o Legislativo, o Executivo eo Judiciário acrescia o Moderador (3) D. Pedro I, em sua Constituição outorgada (imposta, não votada, mandada escrever por ele após ter fechado a Assembléia Nacional Constituinte porque os legisladores escreveram uma Constituição dando mais poderes ao Congresso que a ele) criou um quarto Poder, o Poder Moderador, que centralizava os Poderes em suas mãos, podendo ele comandar, através deste Poder Moderador, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Lembrando que ele fez tudo isso tendo como Princípioa HARMONIA dos poderes políticos.
Muita gente por aí prega o princípio da harmonia como uma deslealdade, como uma forma de manipular as pessoas, de excluir pessoas que não estejam na sua "harmonia", uma maneira de dizer: eu sou harmônica, você não é, ou, eu sou dfa paz, você é da guerra, ou eu sou do bem e você que questiona, critica e tem dúvidas, é do mal. Aceite o que eu quero, ajuste-se ao meu poder, senão...
Os militares sempre usaram essa expressão para manipular as massas enquanto prendiam estudantes e professores, exilavam deputados e senadores, torturavam jornalistas e os enforcavam nos cárceres. Enquanto isso acontecia nos bastidores, na telinha constava o frenesi da copa de 70,por exemplo, "noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração. Todos juntos vamos, pra frente Brasil, salve a seleção..."O pior de tudo é que a ditadura militar acabou em 1985 mas seu ranço, seu fedor, seu cheiro de porrete e sangue ainda dá pra sentir perto de muita gente e dentro de muitas instituições, como presídios, sanatórios psiquiátricos, delegacias e até escolas. Não que nas escolas se torture, não, não fisicamente. Nas escolas a tortura é psicológica. Nos Projetos pedagógicos fala-se em cidadania, nos planos decenais fala-se em cidadania, nos planos de curso lá está novamente a cidadania; mas nem sempre a cidadania está de acordo com a "harmonia" dos diretores, coordenadores, supervisores, professores e até funcionários pois quando se quer orientar os estudantes para que eles se organizem em grêmios estudantis, lá estarão muitos destes acima citados, fazendo discurso em nome daharmonia e do bem-estar da sociedade, contanto que só eles possam reivindicar , ter autonomia e dar ordens.
Por falar em autonomia, temos discutido também essa questão dos conceitos Piagetianos :AUTONOMIA VERSUS HETERONOMIA com nossos alunos. Vamos pensar, refletir, aliás, como diz Lya Luft em sua famosa crônica - pensar é transgredir -
Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo. Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano.

A heteronomia considera que certo é o cumprimento da regra e qualquer interpretação diferente desta não corresponde a uma atitude correta. Temos sido submetidos a uma educação que nos torna seres passivos diante dos acontecimentos e submissos a qualquer um que se imponha e mostre poder sobre nós. Temos idéias e condutas uniformes, como nos fala Rubem Alves:
Educação é isto: o processo pelo qual os nossos corpos vão ficando iguais às palavras que nos ensinam. Eu não sou eu: eu sou as palavras que os outros plantaram em mim. Como disse Fernando Pessoa: ‘Sou o intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim’
(4)
Essa é a educação que muitos defendem na prática, embora no discurso estejam preconizando outros valores distintos, mas quando começam a dizer "devemos incentivar a cidadania ... mas..." esta aí a prova cabal de não conseguirem camuflar, esconder seus verdadeiros medos, suas insuficiências, suas incapacidades de lidar com o novo, com o desconstrutor, com o questionador.

Autonomia é autogoverno, é “a submissão do indivíduo a uma disciplina que ele próprio escolhe e a constituição da qual ele elabora com sua personalidade” (Piaget, 1998).

Por que a escola tem medo dessa autonomia? Por que os Diretores fazem de tudo para impedir a organização dos Grêmios Livres nas escolas? O que temem?

Por que os professores, com seu sindicato tão forte, apóiam esses diretores?

Por que os funcionários, tão oprimidos dentro das escolas (muitas vezes, por esses mesmos diretores,), desrespeitados, vilipendiados, não apóiam a organização estudantil e se enchem de mas e poréns para defender um direito tão legítimo e legal dos discentes?

Concluindo, ao longo desses 30 anos de jornada pedagógica, vimos encontrando a palavra harmonia no discurso de diretores, secretários de educação, políticos em geral, e até de professores como uma forma de encobrir os conflitos, jogar o lixo pra debaixo do tapete, e dizer: obedeçam e tudo permanecerá em harmonia; preservem a harmonia; sejam harmônicos.

O maior valor dentro da escola deve ser a preservação da dignidade humana. A escola não pode mandar de volta pra casa o aluno que está calçado numa sandália de dedo, ou vestido numa calça jeans; a aula é pra ele, não para a sandália ou para a calça. Este aluno precisa conhecer a lei e precisa estar organizado no movimento estudantil para que possa, então, exercer a cidadania em sua plenitude, protegendo-se, protegendo uns aos outros, desenvolvendo o espírito de solidariedade, amizade. Quando alguém deseja, dentro de uma escola, mandar uma mesma turma para lá e para cá, sem nenhum respeito a aqueles discentes e eles resolvem não obedecer, isto não é baderna, isto é ORGANIZAÇÃO, SOLIDARIEDADE, AMIZADE. Por que querem puní-los? Por causa da Harmonia?

Referências

1 - (http://pt.wikipedia.org/wiki/Harmonia_(mitologia)

2 - pt.wikipedia.org/wiki/Harmonia_(música

3 - (http://www.google.com.br/search?q=A+hist%C3%B3ria+da++harmonia&hl=pt-BR&sa=G&tbo=p&tbs=tl:1,tll:1824,tlh:1824&ei=P9jBS9WgJoWouAem-6TSBg&oi=toolbelt_timeline_result&resnum=3&ct=timeline-date&ved=0CD4QzQEwAg)

4 - (http://www.urutagua.uem.br//02autonomia.htm