novembro 19, 2009

Entrevista: Consciência Negra e Cotas raciais

Entrevista da professora e acadêmica de Direito Maria de Lourdes da Silva sobre 20 de novembro, dia nacional da Consciência Negra. Para ilustrar a entrevista, achei por bem colocar as fortes imagens do artista mexicanos David Alfaro Siqueiros, polêmico, subversor da ordem, pungente, que falam por si só sobre questões étnico-raciais e democracia e que tanto se parece com o sentido da fala da entrevistada

Diacui Pataxó - Professora Maria de Lourdes, estamos lhe entrevistando porque seu trabalho contra racismo e preconceito é reconhecido pela comunidade e principalmente por aqueles que foram seus alunos ao longo dos seus 25 anos de Magistério.

Maria de Lourdes - é verdade, sempre combatemos preconceitos com projetos, eventos e oficinas nas escolas, envolvendo colegas, estudantes e comunidade.

DP - O que a motivou sempre a estar à frente nestas atividades?

MLS como dizia a minha professora de metafísica, a poetisa Valdelice Pinheiro, a INDIGNAÇÃO, só podemos nos sentir vivos se ainda nos indignamos.
Sinto-me incomodada desde a adolescência, quando percebia muitas amigas de pele mais escura serem maltratadas, depois cresci vendo Klu-Klux-Klan, Apartheid, Nelson Mandela preso, li seu livro, assisti Steve Biko - um grito de Liberdade, Sarafina, Zumbi, li a história da escravidão no Brasil, olhei ao meu redor e vi racistas... Não pude me calar mais...

DP O que a senhora pensa a respeito das cotas raciais?

MLS - eu concordo plenamente com cotas raciais, acho que é o mínimo de indenização que o governo pode dar aos negros pelos trezentos e cinquenta anos de escravidão, com a bunda exposta na rua, amarrados no pelourinho, tomando chicotadas em público, herança maldita escrita no DNA de todos nós. Trezentos e cinquenta anos sem casa pra morar, sem chão seu pra lavrar, sem poder aprender a ler, sem ser dono do próprio corpo, geração após geração de meninas e mulheres estupradas por senhores, abusadas sexualmente, vilipendiadas na alma e no que pode haver de mais digno e decente no ser humano, o amor-próprio, a auto-estima! Crianças obrigadas a trabalhar, vidas inteiras comendo restos de migalhas das mesas ou as vísceras rejeitadas dos animais...cotas raciais não são nada diante da história, da diáspora compulsória, da escravidão secular.

DP - Haveriam outras alternativas?

MLS - Claro que sim! Na verdade, se nestes últimos cem anos a escola pública foi frequentada por negros e pobres, por que a cota-racial na Universidade pública é para negros? a cota racial deveria ser para os brancos. Eles estudaram fora da rede pública, nas melhores escolas particulares, nos melhores pré-vestibulares, por que são eles os donos das vagas nas escolas públicas e nós, os negros, o povo, os cotistas? Para sermos discriminados mais uma vez? Para sermos chamados de incompetentes? que não conseguimos passar no vestibular e por isso precisamos de cotas? Os brancos são minoria em nosso país. As cotas devem proteger minorias. As vagas são dos negros que obrigatoriamente alisam os bancos das escolas estaduais e municipais toda a sua vida, mas na hora H, da profissionalização de nível superior...!!!

DP - Essa idéia é bastante polêmica!

MLS - O Brasil precisa de polêmicas. Tudo no Brasil termina em pizza e cerveja, na beira da praia, numa mesa de bar, numa roda de piadas. Não se discute com clamor, não se fala sério, as pessoas não se indignam, não reclamam, não propõem o inusitado! Essa idéia é a descontrução do pensamento considerado dos mais avançados no Brasil por conta de combater o racismo! Após 30 anos de trabalho, dos quais 25 estive no Magistério, resolvi prestar vestibular para Direito e me inscrevi como cotista! Usei o subterfúgio que a lei me concedeu, mas preferia que tivesse sido de outra maneira. Como acadêmica de Direito, cotista, tenho percebido vários colegas na mesma situação destacando-se como os melhores alunos do curso.

DP Então o Ensino Fundamental precisa de mudanças?

MLS Claro que sim. Não de reformas mas de uma revolução. A qualidade do Ensino público e gratuito no Brasil está em cheque. Urge a transdisciplinaridade, a informatização das escolas... aqui em Ilhéus, na Bahia, os computadores chegam e ficam hum ano fechados dentro das salas das diretoras, porque a ordem é que só técnicos da Secretaria de Educação podem vir abrir e eles levam esse tempo para sair da Prefeitura e chegar na escola. A internet não é instalada e os discentes não tem acesso em casa nem na escola. O Cargo Ministério da Educação e Secretaria de Educação tem que ser ocupados por vontade política e não por técnicos e puxa-sacos políticos.

DP- Bem professora, quais suas palavras finais sobre o dia 20 de novembro, dia Nacional da Consciência Negra?

MLS- Digo que sempre fomos ensinados a nos acharmos feios, fedidos, sujos, preguiçosos, desgrenhados, nossa religião virou coisa do diabo - embora Netuno carregue um tridente impune do julgamento dos brancos - nossas vestes são espalhafatosas, nossa bunda é grande, nossos "beiços" são grossos... Mas somos lindos em nossa negritude e mestiçagem, cheiramos a mato e natureza, sempre fomos os que limpamos - gostaria de citar aqui aqui a música que Gilberto Gil compôs em 1984:

O branco inventou que o negro
Quando não suja na entrada
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Vai sujar na saída, ê
Imagina só
Que mentira danada, ê

Na verdade a mão escrava
Passava a vida limpando
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o negro penava, ê

Mesmo depois de abolida a escravidão
Negra é a mão
De quem faz a limpeza
Lavando a roupa encardida, esfregando o chão
Negra é a mão
É a mão da pureza

Negra é a vida consumida ao pé do fogão
Negra é a mão
Nos preparando a mesa
Limpando as manchas do mundo com água e sabão
Negra é a mão
De imaculada nobreza

Na verdade a mão escrava
Passava a vida limpando
O que o branco sujava, ê
Imagina só
O que o branco sujava, ê
Imagina só
Eta branco sujão

É isso: Lembremos sempre da nossa dignidade!


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LIBERTEM CÉSARE BATTISTI

Carta aberta de Cesare Battisti a Lula e ao Povo Brasileiro


CARTA ABERTA
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR
LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
SUPREMO MAGISTRADO DA NAÇÃO BRASILEIRA
AO POVO BRASILEIRO
"Trinta anos mudam muitas coisas na vida dos homens, e às vezes fazem uma vida toda". (O homem em revolta - Albert Camus)
Se olharmos um pouco nosso passado a partir de um ponto de vista histórico, quantos entre nós, podem sinceramente dizer que nunca desejou afirmar a própria humanidade, de desenvolvê-la em todos os seus aspectos em uma ampla liberdade. Poucos. Pouquíssimos são os homens e mulheres de minha geração que não sonharam com um mundo diferente, mais justo.
Entretanto, frequentemente, por pura curiosidade ou circunstâncias, somente alguns decidiram lançar-se na luta, sacrificando a própria vida.
A minha história pessoal é notoriamente bastante conhecida para voltar de novo sobre as relações da escolha que me levou à luta armada. Apenas sei que éramos milhares, e que alguns morreram, outros estão presos, e muito exilados.
Sabíamos que podia acabar assim. Quantos foram os exemplos de revolução que faliram e que a história já nos havia revelado? Ainda assim, recomeçamos, erramos e até perdemos. Não tudo! Os sonhos continuam!
Muitas conquistas sociais que hoje os italianos estão usufruindo foram conquistadas graças ao sangue derramado por esses companheiros da utopia. Eu sou fruto desses anos 70, assim como muitos outros aqui no Brasil, inclusive muitos companheiros que hoje são responsáveis pelos destinos do povo brasileiro. Eu na verdade não perdi nada, porque não lutei por algo que podia levar comigo. Mas agora, detido aqui no Brasil não posso aceitar a humilhação de ser tratado de criminoso comum.
Por isso, frente à surpreendente obstinação de alguns ministros do STF que não querem ver o que era realmente a Itália dos anos 70, que me negam a intenção de meus atos; que fecharam os olhos frente à total falta de provas técnicas de minha culpabilidade referente aos quatro homicídios a mim atribuídos; não reconhecem a revelia do meu julgamento; a prescrição e quem sabem qual outro impedimento à extradição.
Além de tudo, é surpreendente e absurdo, que a Itália tenha me condenado por ativismo político e no Brasil alguns poucos teimam em me extraditar com base em envolvimento em crime comum. É um absurdo, principalmente por ter recebido do Governo Brasileiro a condição de refugiado, decisão à qual serei eternamente grato.
E frente ao fato das enormes dificuldades de ganhar essa batalha contra o poderoso governo italiano, o qual usou de todos os argumentos, ferramentas e armas, não me resta outra alternativa a não ser desde agora entrar em "GREVE DE FOME TOTAL", com o objetivo de que me sejam concedidos os direitos estabelecidos no estatuto do refugiado e preso político. Espero com isso impedir, num último ato de desespero, esta extradição, que para mim equivale a uma pena de morte.
Sempre lutei pela vida, mas se é para morrer, eu estou pronto, mas, nunca pela mão dos meus carrascos. Aqui neste país, no Brasil, continuarei minha luta até o fim, e, embora cansado, jamais vou desistir de lutar pela verdade. A verdade que alguns insistem em não querer ver, e este é o pior dos cegos, aquele que não quer ver.
Findo esta carta, agradecendo aos companheiros que desde o início da minha luta jamais me abandonaram e da mesma forma agradeço àqueles que chegaram de última hora, mas, que têm a mesma importância daqueles que estão ao meu lado desde o princípio de tudo. A vocês os meus sinceros agradecimentos. E como última sugestão eu recomendo que vocês continuem lutando pelos seus ideais, pelas suas convicções. Vale a pena!
Espero que o legado daqueles que tombaram no front da batalha não fique em vão. Podemos até perder uma batalha, mas tenho convicção de que a vitória nesta guerra está reservada aos que lutam pela generosa causa da justiça e da liberdade.
Entrego minha vida nas mãos de Vossa Excelência e do Povo Brasileiro.
Brasília, 13 de novembro de 2009
Cesare Battisti
http://cesarelivre.org/node/183

Carta em solidariedade a Cesare Battisti, por uma decisão justa e soberana do Estado brasileiro: a sua libertação
Dezembro de 2008
Vimos, em nome de brasileiros das mais diversas cores ideológicas, manifestar solidariedade ao escritor Cesare Battisti, cidadão italiano mantido preso pela Polícia Federal em Brasília desde março de 2007, acusado de crimes que nega ter cometido, com motivação política, ocorridos em seu país, na década de 1970 -- época em que o mundo estava dividido em dois pólos ideologicamente antagônicos e aconteciam conflitos em ampla escala, nas diversas nações.
Cabe salientar o quanto o episódio é inoportuno, num momento em que o Brasil desfruta de invejável liberdade, começa a pagar suas dívidas sociais e desenvolve esforços para ser reconhecido pelos organismos internacionais como uma nação capaz de assumir responsabilidades maiores na condução dos destinos da humanidade.
Neste sentido, é imperativo sermos vistos como um país que não só respeita os direitos dos seus próprios cidadãos, como apóia os estrangeiros vítimas de perseguições políticas em seus países de origem. A concessão de refúgio humanitário, nesses casos, é uma nobre tradição brasileira da qual não deveremos jamais abrir mão.
Cesare Battisti já sofreu demais. Merece viver em liberdade, com sua família, exercendo o ofício em que tanto se destacou. Merece a hospitalidade dos brasileiros cordiais (torçamos para que eles ainda existam e se manifestem!).
Não é só Cesare que está sendo posto à prova. Nós também: nossos sentimentos humanitários, nosso espírito de justiça, nossa consciência solidária.
Seria motivo de imensa vergonha para nós não oferecermos a um idealista injustiçado condições análogas às que propiciamos a ladrões como Ronald Biggs e ditadores com Alfredo Stroessner.
NOSSA LUTA NÃO É SÓ POR CESARE. É TAMBÉM POR NOSSA DIGNIDADE E ORGULHO NACIONAL.
VENCEREMOS!

Carta de Anita Prestes (filha de Olga Benário) pedindo a Lula que não entregue Battisti


Exmo. Sr. Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva.
Na qualidade de filha de Olga Benário Prestes, extraditada pelo Governo Vargas para a Alemanha nazista, para ser sacrificada numa câmera de gás, sinto-me no dever de subscrever a carta escrita pelo
Sr. Carlos Lungarzo da Anistia Internacional (em anexo*), na certeza de que seu compromisso com a defesa dos direitos humanos não permitirá que seja cometido pelo Brasil o crime de entregar Cesare Battisti a um destino semelhante ao vivido por minha mãe e minha família.
Atenciosamente,
Anita Leocádia Prestes
http://cesarelivre.org/node/196

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