junho 04, 2009

EU SOU A BRISA E O FURACÃO

Diacui Pataxó

Eu sou uma das guerreiras do exército de dona Iansã, nada de preguiça, nada de acomodação, muita agilidade, muito resolver e organizar, minha autoridade é oriunda do pai celeste, do pai espiritual, Olorum, espírito cósmico, que domina os elementos, a matéria e a anti-matéria. Eu sou mãe, sou ultra-mãe, herdei o sangue das matronas índias e africanas, Sou descendente dos heróis africanos aprisionados e mortos por causa da escravidão, meus ancestrais são xamãs e feiticeiras poderosas vindas da Mãe África, sou herdeira do curandeirismo das pretas velhas de Omulu e de Oxalá, da farmacopéia indígena dos tupi-guarani, dos Tupiniquim, dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, sou cabocla, sou da mata, sou da selva, eu sou o mico-leão da cara dourada, sou o saguí, a anta, o jacaré, a onça pintada, eu sou o tamanduá-bandeira, sou a gelada e transparente água do rio nascente, o colibri é meu irmão e eu sou a mãe da arara, o pai do jabuti, irmã do periquito e do papagaio, primo do orangotango,,, eu sou o espírito da caipora que vaga mata adentro assustando quem vem para matar, eu sou o espírito noturno da boitatá, que põe fogo na bunda de latifundiário e madeireiro, que arranca e queima árvore, eu sou a folha que cai e a raiz que penetra na terra buscando alimento pra sua planta, eu sou a enchente, o furacão, o deus-nos-acuda da tempestade, eu sou a própria tempestade, eu sou a lua e o sol, a onda do mar, cada gota de chuva que molha a terra umedecendo-a para a plantação, eu sou o sertão da Bahia, o cactus, a terra vermelha e rachada da caatinga, sou Lampião e Maria Bonita, sou o fim do Apartheid e da segregação, sou Mandella, Biko, o Che, eu sou a flor do maracujá, eu tenho sede de justiça, eu sou o elemento fogo e ardo em brasa, o elemento ar e sobrevôo em espírito as cachoeiras e desço em queda livre pelos penhascos, eu pouso nos dedos do Cristo redentor ,o meu sangue lava o chão do Carandiru. Eu choro por Canudos, tomo a bênção de João Cândido e me espelho no grande Zumbi de Palmares. Eu sou natureza, céu e mar, cada estrela que fica na areia da praia, cada palmeira do coqueiro que balança nos ventos de Caymi, eu sou a água de côco, doce feito mel mas sou também o gosto do jiló. Meus antepassados caçavam livres pela praia e pescavam sem barco e sem anzol, apenas com uma lança certeira e veloz , meus ancestrais dormiam na mata e ouviam à distância aproximando o ouvido da terra... eu sou o que está além das palavras, o que não está escrito, o que se lê nas entrelinhas... eu sou espada e flor, eu sou um antúrio, um copo de leite, uma rosa vermelha, a iguana, a cobra coral, a fêmea do guaiamum... eu sou pátria Brasil e ainda sonho ter meu pedaço de terra pra plantar novamente a minha subsistência!

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