novembro 29, 2017

Rousseau - Pedagogia da mulher submissa

MARIA DE LOURDES DA SILVA*

A rígida, punitiva, hierárquica, tradicional e elitista educação escolástica, que tinha á frente os jesuítas, transmissora de conhecimentos memorizados, teve seus pressupostos teóricos e práticos abalados, quando o filósofo Jean- Jacques Rousseau se lhe antepôs , com suas idéias iluministas, revolucionárias, à frente do seu tempo, publicando e anunciando à comunidade europeia do século XVIII seu livro Emílio ou da Educação, onde o ilustre pensador de Genebra apresentava um novo paradigma às concepções de infância e de educação.



Até então a criança houvera sido tratada como miniatura de adulto pela sociedade e pela Igreja, senhora da pedagogia de então.  Cobrava-se-lhe a etiqueta, a linguagem, o comportamento, os hábitos, o gestual e o entendimento.

Punia-se-lhe como se fosse um adulto. E, consequentemente, ensinava-se-lhe com uma educação repleta de palavras e livros, num conteudismo castrante e entorpecente, onde o indivíduo saberia dizê-los inteiros de cor, mas decerto que não lhes saberia explicar o sentido com suas próprias palavras e ou experiências de vida, mas conseguindo sempre aprender a recitar como um papagaio.

A partir da publicação de Emílio Ou Da Educação, forte comoção abalou os pilares da Pedagogia Escolástica. Abalo tão profundo que, sabe-se, Emílio e o Contrato Social foram queimados em praça pública. Àquela época fez-se isto para demostrar o poder da Igreja Católica, e em nossa época, sabe-se disto para que se avalie o quanto eles o temeram, ainda que Emilio tenha sido  escolhido HOMEM,  branco, francês e rico!  

Na exposição de motivos, o autor declara entre outras coisas que nem os negros nem os lapões têm o equilíbrio dos europeus . Para ele “o pobre não precisa de educação” e confessa-se também avesso ao que hoje se chama de inclusão, quando diz “eu não me encarregaria de uma criança doentia e caquética (...)inútil a si mesma e  aos outros", remontando talvez ao costume da sociedade espartana.

Assim, excluindo negros, pobres, deficientes físicos e mulheres, Rousseau desenvolve sua idéia de educação que, apesar de todas essas exclusões, que já constavam na práxis pedagógica daquela teoria escolástica à qual ele criticava , era inovadora, instigante e revolucionária, porque se debruçava sobre um tempo e um espaço da vida humana  aos quais ninguém havia ainda se debruçado, devotando-lhe um olhar filosófico, pedagógico, político e afetivo, a infância!

Quanto à mulher, que vai aparecer no Emílio ou Da Educação, no quinto livro, pois os quatro anteriores são dedicados a educação do garoto, desde às fraldas até a adolescência, Jean-Jacques lhe reserva conceitos e papéis total e absolutamente de segunda classe, embora muitas vezes tente dizer e efetivamente o diga, que a fragilidade da mulher comanda a força do homem, mas sempre escorregando no conceito moral de que ela assim o consegue porque faz parte de sua personalidade ser frívola, dissimulada, coquete, aduladora, sabendo muito bem disfarçar!

Ali seus direitos como cidadã não são reconhecidos. Toda sua educação deve ser voltada para a sua relação com o homem.  Ela deve aprender a ser-lhe útil, agradável, doce, deve aprender a cuidá-lo, consolá-lo, honrá-lo e educá-lo.  Só interessa ensinar-lhe  o que ela vai usar para servir a ele; fora isto, ela deve ser ensinada a sufocar suas emoções, a obedecer, a dominar suas fantasias e seus sonhos para aprender a submeter-se à vontade de outrem.  Que aprenda " desde cedo, a sofrer até injustiças e a suportar os erros do marido sem se queixar".  "A mulher é feita especialmente para agradar ao homem". Ele, nem tanto a ela! 

Sem usar a palavra ESTUPRO, Rousseau busca na Bíblia, no livro de Deuteronômio, um livro escrito por Moisés, uma coleção de seus sermões a Israel antes da travessia do rio Jordão, no Antigo Testamento, os estudiosos calculam que o ano era 1.410 a.C., em seu Capítulo 22, uma lei que, em seu tempo, teria aproximadamente  três mil e trezentos anos, sobre mulheres serem abusadas e morrerem às portas da cidade, apedrejadas, por haverem sido usadas por homens aos quais não pertenciam; se fosse na cidade morreriam os dois de pedradas, e se fosse no campo ela estaria isenta da morte pois houvera gritado e ninguém lhe ouvira. Ele cita o Deuteronômio para explicar que essa interpretação benigna ensinaria às jovens a não se deixarem surpreender em lugares frequentados. 

O filósofo de Genebra argumenta com fervor sobre a defesa da desigualdade. É contraditório que o filósofo que inspirou a Revolução Francesa acredite que a mulher que se queixa da injusta desigualdade que o homem impõe, não tem razão, pois" essa desigualdade não é uma instituição humana" nem "obra do preconceito", e sim da razão. Claro,  da razão dos homens! Mas a Revolução Francesa, por sua vez, não foi precursora de direitos da mulher, embora já houvessem mulheres feministas naquele movimento e naquele tempo, às quais não escaparam à guilhotina, justamente por defender a igualdade como Olympe de Gouges, pioneira do feminismo, filósofa e dramaturga, que escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher em 1791 e da cidadã e Madame B. de B. ( uma burguesa que usava esse nome para pronunciar-se na época iluminista)  que escreveu  o Caderno de queixas e reclamações das mulheres, onde reclama que se comente apenas sobre a libertação dos negros, enquanto se permanece em silêncio sobre a emancipação das mulheres.
Olympe de Gouges

Não se quer aqui negar a importância do genebrino para a Pedagogia, mas alertar e refletir sobre suas contradições no que concerne ao debate sobre o que,contemporaneamente, chamamos de questão de gênero.  Também não se pensa aqui em fechar questão ou, oque seria muita pesunção, encerrar a questão.  Pelo contrário, que esta postagem sirva de ponto inicial para debates e debates... 

* Maria de Lourdesda Silva é licenciada em Filosofia pela
 FESPI, atual UESC, e especialista em
 Planejamento e Política Educacionais, UESC.





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